“É necessário, é urgente, é indispensável educar esta nação“
André Rebouças
A frase acima resume a trajetória e os ideais de um dos maiores abolicionistas do Brasil. Conhecido também por suas invenções, obras e construções, o engenheiro André Rebouças é uma das principais referências brasileiras no que se refere à intelectualidade e vida pública. Rebouças, junto com outros grandes nomes da abolição, criou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e criou também os estatutos da Associação Central de Emancipação dos Escravos, se tornando um dos principais articuladores políticos na luta pelo fim da escravidão no Brasil. Apesar de ser conselheiro e amigo de Dom Pedro II e princesa Isabel, sendo negro, Rebouças sofreu com o racismo antes e pós escravidão que teve seu fim em 1888. Diante disso e de um país com ex-escravos jogados à margem da sociedade e de ricos que perderam sua mão de obra barata exigindo do império reparo aos “prejuízos” causados, percebeu-se então que estava instaurada a desigualdade.
O percentual de pardos e negros que concluíram uma graduação aumentou nos últimos 15 anos desde que se iniciaram as políticas afirmativas e de cotas, segundo um levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mudando de 2,2% para 9,3% até 2017. Um numero ainda baixo se considerarmos que mais de 22% de graduados no ensino superior é branco, em um pais onde 56% da população se considera parda ou negra. Em entrevista para a revista Agência Brasil, frei Davi Santos, Diretor da Educafro (organização que promove inclusão de negros e pobres nas universidades através de bolsas) diz que “as cotas foram uma verdadeira revolução na educação para se alcançar a igualdade”. O que gostaria de destacar é que a fala do frei Davi ressalta os discursos de Rebouças que fazem mais de 100 anos. Tanto Rebouças quanto frei Davi acreditam que a educação é uma das principais formas para se combater a desigualdade. Os dados ainda mostram que negros são maioria no índice de analfabetismo e semi-analfabetismo. O que sugere que os ideais de Rebouças, de implementar uma educação integradora a todos e todas foram frustrados por ações políticas segregadoras, que beneficiaram imigrantes portugueses e italianos em detrimento da população afro brasileira que sucumbia pela falta de apoio e oportunidades.
Menciono o período de emancipação escrava onde foram feitas ações para a entrada de trabalhadores imigrantes europeus para as lavouras. Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegaram ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta para 525 mil. Implanta-se uma dinâmica capitalista e burguesa, ligadas à exportação de café, como casas bancárias, estradas de ferro, fortalecendo e enriquecendo ainda mais os já ricos desta nação. Para essa economia, o negro cativo era uma peça obsoleta, pois, além de seu preço ter aumentado após o fim do tráfico, não tinha as capacidades exigidas para exercer os trabalhos. O sociólogo Florestan Fernandes escreve em seu livro, A integração do negro na sociedade de classes, o seguinte: “A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (…) Essas facetas da situação (…) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.
Os ex-escravos, além de serem discriminados pela cor, somando-se à população mais pobre tornam-se os marginalizados da República. O aumento do número de desocupados, trabalhadores temporários, mendigos e crianças abandonadas nas ruas redunda também em aumento da violência, que pode ser verificada pelo maior espaço dedicado ao tema nas páginas dos jornais.
A educação é revolucionária, além de expandir a mente na absorção de conhecimento do mundo o qual vivemos, nos potencializa para o trabalho, para geração de renda, ela nos dá consciência de classe, de deveres e principalmente direitos. Sendo assim, era “perigoso” demais para a sociedade burguesa da época que a educação chegasse aos negros e pobres desse país. Seria impossível a implantação desse sistema capitalista monopolizado pela Europa, já mencionado. Mas se os ideais de André Rebouças não fossem boicotados, os números revelados nas pesquisas no que diz respeito à educação seriam outros. O país errou com escravidão, e errou ainda mais com a segregação de classes e cor. Hoje colhemos o desfruto dessas políticas segregadoras que culminou em uma sociedade extremamente desigual e injusta. A antropóloga Irene Maria Ferreira Barbosa, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, nos relata que um dos mais antigos registros da escolarização dos povos negros, é a escola do Professor Antônio Cesarino, situada em Campinas no interior de São Paulo, que funcionou de 1860 à 1876, mas apenas em 1878 um decreto promulgado autorizava a matricula de negros do sexo masculino, maiores de 14 anos livres ou libertos, saudáveis e vacinados.
Ações como cotas, bolsas e integrações foram medidas adotadas pelo governo do Brasil apenas no início deste século, com grandes investimentos de 2005 a 2011, consequentemente diminuíram a desigualdade a 10% ao ano segundo o IPEA de 2014. Já nos últimos três anos, estes investimentos têm caído, não sendo prioridade dos últimos governos, podemos chamar isso de retrocesso. Movimentos pró educação da população mais pobre têm aumentado, surgindo diversas organizações que persistem na tentativa de diminuir a desigualdade e garantir equidade e oportunidade a todos e todas através da educação. E têm acertado. Tive o privilégio de ser professor voluntário em um cursinho popular na região da Brasilândia, uma das maiores periferia da zona norte de São Paulo. Estando lá pude ver o engajamento de meninos e meninas que em pleno sábado de manhã, se dirigiam ao cursinho Preparando o Futuro, que tem ajudado todos os anos jovens a ingressarem nas ETECs. E o objetivo destes jovens não é apenas estudar para passar no vestibulinho, é o objetivo de ser e fazer a diferença, acreditando que a educação é a principal forma de mudar a realidade de suas famílias e de sua comunidade. E é possível, há alguns poucos, que na luta contra a desigualdade, se armam de livros e apostilas na tentativa de reparação, e para geração atual é cada vez mais possível. Não podemos retroceder. Finalizo parafraseando Paulo Freire “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Não é apenas uma reparação de classe, é uma reparação histórica, fazer o que devíamos ter feito e então melhorar a sociedade. É necessário, é urgente, é indispensável educar esta nação, pois a educação é a principal forma de combater a desigualdade.
Que artigo sensacional, a educação hoje é fundamental para mudar esse país, e esses projetos que auxiliam a galera de baixa renda a ter uma oportunidade de obter conhecimento nos da mais esperança para o futuro do nosso Brasilzão
Continuaremos na luta contra a desigualdade, eu sonho esse sonho, a educação é o que nos fortalecerá neste combate.
Parabéns, orgulho de conviver
Muito bom este artigo! Parabéns!